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Em associação com Casa Pyndahýba Editora

Ano I Número 11 - Novembro 2oo9

Releitura - José Ricardo Nunes

José Ricardo Nunes nasceu em Lisboa, a 14 de Dezembro de 1964. Licenciado em Direiro, exerce funções no Ministério da Justiça. É mestre em Literatura e Cultura Portuguesas - Época Comtemprânea, com uma dissertação sobre Luiza Neto Jorge. Publicou o seu primeiro livro de poesia, Rua 31 de Janeiro, em 1998. No domínio do ensaio e da crítica literária é de registar a publicação de trabalhos em Colóquios/Letras, Ciberkiosk (publicação on-line), Ler e Relâmpago. Tem ainda poemas publicados em Di Versos, Relâmpago e Arsenal. Vive em Caldas da Rainha.

Retrato Inexistente


Impossível dar a um rosto forma
definitiva. Mais duradoura imagem
cada um conserva na sua obscuridade.
A rotação da terra, a morte
que se propaga no tempo, os ossos,
a poeira branca onde não se pode escrever – eis
o que reforça o rosto emergindo
da penumbra. Um risco o desagrega por dentro,
pois o tempo e as palavras observam-se.
Um rosto, o que mais se merece
de um corpo feito contra tudo, sombra
acesa numa parede de luz.
[in Apócrifo, Deriva, 2007]

Cerimónia de Abertura

Entram no estádio e desfilam
as delegações: uma bandeira
por país, um capitão
a comandar os implicados
no crescimento do comércio global.
Os desportistas sorriem, acenam,
cumprem à risca o seu papel de figurantes.
Digo-lhe que não sei parar as imagens.

Reina a paz e a concórdia.
Mesmo os que vieram apenas para competir,
perder, sonham com o milagre
que lhes turva os olhos de glória. E eu,
sentado neste sofá suburbano
que treme à passagem do comboio,
acredito no que lhe digo.

Lembra o comentador, algo comovido
pelas últimas notícias, que na Grécia
faziam tréguas durante os Jogos.
Alguém é dono da verdade? Resta-nos
o poder de mudar livremente de canal
ao sabor dos nossos humores tão variáveis.
Estou sempre a dizer isto à Jacinta.
[in Versos Olímpicos, Deriva, 2009]

K8 com Timoneiro

Depois atiram-me à água:
o justo prémio da vitória.
As minhas indicações, a cadência
que doseia o esforço e assegura a velocidade
e faz dos meus companheiros comigo
um só músculo contraído,
espalham-se na água
logo que a prova termina e é conhecido
o vencedor. Eu
apenas trabalho para essa equipa:
ocupo os espaços vazios,
os intervalos,
as pequenas falhas
entre corpos e músculos,
moldáveis, eu, a minha voz,
até que tudo acaba
e me atiram para a água,
para dentro desta página.
[in Versos Olímpicos, Deriva, 2009]